Skid Row: A banda que odiava um bahamense – Parte I

Texto original escrito por DAVE LING para a edição dezembro de 2003 da revista inglesa CLASSIC ROCK

Em 1987, o guitarrista Dave ‘Snake’ Sabo, o baixista Rachel Bolan e o baterista Rob Affuso esperavam ansiosamente na cozinha de uma casa em Nova Jérsei de propriedade da família Sabo. O guitarrista Scotti Hill tinha sido enviado ao aeroporto para encontrar uma importante chegada.

Também encharcada na atmosfera de ansiedade estava a mãe de Sabo, conhecida por todas como Sra. Snake. Havia uma noção aguda de que o cara cuja chegada eles todos aguardavam tão nervosamente tinha que ser a pessoa certa. Frustrados por testes inúteis e compromissos inapropriados, havia chegado a vez de eles engatarem a primeira marcha.

Finalmente, a porta se abriu, e o vocalista para o qual o Skid Row tinha feito uma vaquinha para que ele viesse de avião do Canadá deu as caras e entrou na sala. 1m92 de rosto, vaidade e xingamentos, cabelo e postura. Sebastian Bach quebrou o silêncio ao alegremente se apresentar a todos ali: “Caaaaaraaaas! Eu tenho um pau de 25cm! ”

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A química aconteceu, e pelos nove anos seguintes, o Skid Row alcançaria a maioria de suas ambições no rock – apesar de o triunfo não ter acontecido sem sua parte de agonia. Sebastian Bach foi o elemento X que os transformou em um nome de porte mundial. Mas o hedonismo infantil do cantor era uma constante fonte de irritação aos outros relutantes ocupantes da bolha na qual ele vivia. Dependendo do dia da semana, o Skid Row era adorado, banido, processado, agraciado por entrar na parada da Billboard em #1 ou atacado por seus rivais. Uma coisa, contudo, era certa: eles raramente eram ignorados.

Como todos os cometas, o Skid Row brilhou intensamente por um curto período. E quando sua estrela eventualmente se apagou, ele caiu de volta na Terra de modo aparentemente final. Incrivelmente, a banda ainda existe, e em 2003 tocou pelo Reino Unido pela primeira vez desde que se apresentou no Castle Donington de 1995 – mas dessa vez em Bach, e muito mais feliz por isso.

A história do Skid Row começou em 1986, com um encontro por acaso entre Dave Sabo e Rachel Bolan [nome verdadeiro: James Southworth] na loja de guitarras onde o primeiro trabalhava.

“Eu nunca vou me esquecer daquele momento”, Sabo lembra dom carinho. “Entrou esse cara com uma boina vermelha e uma jaqueta de couro rosa. Ele parecia um astro. Eu tinha que puxar conversa.

“Quando se tratava de compor, nós dois logo nos demos conta de que ambos vínhamos de repertórios musicais diferentes – eu do Judas Priest e Iron Maiden, enquanto as raízes de Rachel estão no Ramones – nossos estilos se complementavam. Também ajudou o fato de Kiss e Van Halen serem um denominador comum. ”

Bolan propôs Scotti Hill [nome verdadeiro: Scotti Mulvehill] de um grupo anterior do qual ele participara, e quando sua escolha original para a bateria fora presa por um caso de esfaqueamento, Sabo trouxe Affuso de uma de suas bandas antigas. Bolan tinha tocado em shows desde que tinha 16 anos, e por vezes teve que entrar escondido em bares dentro de um case porque era menor de idade, e nunca houvera nenhuma dúvida em sua mente que ele seria bem-sucedido.

“Ser um artista é algo com o qual você nasce, não é algo que você possa aprender na escola”, ele sustenta. “Seja você um artista, atleta ou músico, está lá dentro de você e não há como você se dissociar daquilo. “

Sabo também tinha decidido seu destino desde cedo. Ele e seu colega de escola Jon Bongiovi [de quem você já deve ter ouvir falado] tinham feito um pacto aos sete anos de idade para serem astros do rock, jurando que o primeiro que conseguisse usaria de sua influência para ajudar ao outro.

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“Estava claro que Jon conseguiria primeiro, mas ele disse que quando nossa banda fosse a certa, ele nos empurraria para frente”, diz Sabo. “E ele manteve sua palavra. Jon veio nos ver ao vivo, nos criticou e nos deu o benefício de sua experiência, o que não tinha preço. ”

Até o dia em que o Skid Row assinou seu primeiro contrato, a banda ensaiou na garagem da família de Bolan em Toms River, NJ, usando aquecedores a querosene para mantê-los aquecidos no inverno – e com a TV da casa ligada no volume máximo para aguentar o barulho. O apadrinhamento de Jon e de seu guitarrista Richie Sambora com certeza os deu um grau de expectativa sobre a banda, e Doc McGhee [então empresário do Bom Jovi] os contratou. Bolan diz que o grupo ‘malhou a cena de Nova Jérsei, Nova Iorque e Connecticut até que as pessoas se cansaram da gente. ” Mas o vocalista original, Matt Fallon, que já tinha tocado por um breve período com o Anthrax, não tinha o mesmo foco do resto do Skid Row. John Corabi, que depois seria do Mötley Crüe, foi convidado. A Atlantic, a Geffen e a A&M todas expressaram interesse em contratar a banda, mas deixaram claro que a formação tinha que ser a certa.

O telefone tocou. Várias pessoas da indústria tinham visto um jovem vocalista tocando com Zakk Wylde, membros do Twisted Sister e Kevin DuBrow do Quiet Riot na recepção de casamento do fotógrafo Mark Weiss. Um amigo em comum colocou o então novato de 19 anos Sebastian Bach [nome verdadeiro: Sebastian Philip Bierk, nascido nas Bahamas e que tinha sido do Kid Wikked, que gravara um álbum para o selo Attic, e depois substituíra a Bret Kaiser no Madam X], em contato com o Skid Row, e um teste logo foi marcado.

“Ele cantava as músicas tão alto que tivemos que repreendê-lo, mas depois de um pouco de trabalho, sua voz se adaptou, ” lembra Bolan. “Sebastian era muito irritante e barulhento, mas precisávamos de um vocalista. O bom era que ele também tinha foco, até demais. Mas os frontmen têm que ser assim mesmo, certo? ”

Contudo, não demorou muito para que as pessoas se dessem conta que além de trazer muitas coisas boas, Bach também trazia diversos fardos. Houve uma briga em um bar na noite em que ele chegou. Bolan agora diz que ele já tinha sido avisado da volatilidade do cantor: “Alguém que tinha estado na indústria já fazia um tempo me disse que previam muita encrenca no futuro, ” ele diz. “Mas eu queria que a coisa desse certo, e nenhum de nós suportava a ideia de mais sete meses procurando outra pessoa. ”

“Naquela primeira noite, estávamos de bobeira em um bar local e acabamos tocando 18 And Life e algumas outras músicas, ” continua Sabo. “Foi muito, muito ruim. Mas Rachel anunciou do palco que tínhamos achado nosso novo vocalista. Mais tarde, Sebastian ficou muito bêbado e mandou um soco num cara, errando por uns 30cm.”

A banda passou um ano se adaptando nessa formação. Um contrato com a empresa de edição musical de JBJ e Sambora, a Underground, foi firmado meticulosamente – um acordo do qual eles se arrependeriam depois, já que se tratava de uma proposta leonina sob a qual a maior parte dos royalties do grupo ia para a dupla do Bon Jovi. Depois de uma guerra de lances, o Skid Row assinou com a Atlantic Records. Contudo, isso quase não aconteceu desse modo. A banda tinha feito um show ‘desgraçado’ [palavra de Sabo] como exibição para a Geffen, no qual Tom Zutaut, o cara do A&R que tinha descoberto o Guns N’ Roses e o Mötley Crüe, tinha mostrado um desdém alarmante.

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“Certo dia, Doc me liga e me diz que tínhamos assinado com a Geffen, ” explica Sabo. “Era o dia pelo qual eu vinha esperando minha vida toda, mas eu estava encanado. Essa havia sido a gravadora que nos dissera que tínhamos talvez 2 ou 3 músicas boas o suficiente para um disco. Tom havia nos perguntado onde ensaiávamos, e quando eu disse a ele, ele mandou: ‘Bem, vocês não vão me ver lá’ Eu fiquei chocado com sua arrogância. Era como se a Geffen estivesse fazendo um favor a Doc.”

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Tendo tocado as músicas incontáveis vezes, gravar ‘Skid Row’ para a Atlantic [que no fim das contas acabara dando um lance maior do que o da Geffen] com o produtor de Dokken e Alice Cooper – MICHAEL WAGENER – foi uma experiência bem indolor. Desde a abertura bombástica com Big Guns e o grito de guerra Youth Gone Wild, as mais melódicas 18 And Life e I Remember You, o disco de estreia era um álbum maduro e de qualidade. Apenas um ano depois, após aceitarem a abertura de uma turnê do Bon Jovi por seis meses enquanto este último promovia o disco ‘New Jersey’, o ‘Skid Row’ já havia vendido um milhão de cópias somente nos EUA. A banda também estava tocando nos maiores espaços daquele país [no Giants’ Stadium, por exemplo, com 72 mil lugares]. O Skid Row ainda mostrava sua gana quando se apresentava sozinho em casas bem menores nas noites de folga.

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Como singles, 18 And Life e I Remember You ambos chegaram ao Top 10. O Skid Row estava subindo rápido para o circuito dos pesos-pesados, e apareceram no Moscow Music Peace Festival, show organizado por Doc McGhee como pena por ter sido flagrado traficando drogas. Entre outros nomes que tocaram em prol da Make A Difference Foundation de McGhee estavam o Bon Jovi, Ozzy Osbourne, Mötley Crüe e Scorpions. A memória mais forte de Bolan não foi o show em si, mas a coletiva de imprensa antes das performances.

“Um membro de cada banda era escolhido, e eu me sentei com Nikki Sixx, Klaus Meine e Ozzy”, ele sorri. “O Scorpions era a única banda que já havia tocado antes na Rússia, e Klaus fora perguntado sobre como era estar de volta. Ele deu uma resposta chapa branca total que o Scorpions tinha vindo a Moscou e que eles iriam ‘arrasar feito um furacão’. Ozzy disse, ‘Nossa, que cara trouxa do caralho’, e Nikki e eu quase morremos de rir. ”

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Em agosto de 1989, o Skid Row finalmente fazia sua estreia no Reino Unido, no Milton Keynes Bowl, abrindo um elenco que também tinha o VIXEN, EUROPE, e no topo, o Bon Jovi. Foi o começo de um caso de amor que os levou a ser a banda principal no Hammersmith Odeon de Londres apenas dois meses depois.

“Olhar para todos aqueles rostos em Milton Keynes foi incrível”, diz Bolan. “Durante minha vida toda eu quis ir para a Inglaterra porque minhas bandas favoritas – Beatles, Sex Pistols e Rolling Stones – eram de lá. Tínhamos ficado famosos nos EUA e tínhamos autoconfiança o suficiente para achar que poderíamos fazer o mesmo em qualquer lugar. Scotti e eu tentamos entrar na plateia para assistir ao Bon Jovi, mas fomos atacados pelo povo. ”

Durante um show no Marquee em Londres, Bach fez seu famoso convite para que toda a plateia aparecesse depois no Columbia Hotel para tomar um drink. Um público considerável armou acampamento em Lancaster Gate, mas todos foram barrados à porta. Bach ficou possesso quando soube que não estavam deixando os fãs entrar.

“Eu ia comemorar com as pessoas que dispuseram de seu tempo para vir”, ele diria depois. “Então quando não tinha ninguém olhando, eu peguei uma garrafa do bar e uns baseados e saí pela porta der trás. Eu me sentei no Hyde Park e conversei com 50 ou 60 fãs. Esse tipo de coisa mostra quem é viciado em rock n’ roll e quem é viciado em seu próprio ego. ”

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A abordagem malandra do grupo certamente ajudou que o nome se espalhasse rapidamente, e logo eles pularam do Marquee para o Odeon, onde eles recepcionaram a LEMMY KILMISTER para uma versão de ‘Train Kept A-Rollin’ e STEVE HARRIS e NICKO MCBRAIN subiram para ‘Wratchchild’, do IRON MAIDEN. ROBERT PLANT, segundo dizem, estava nos bastidores e, em uma festa após o show, o ex-vocalista do THE SWEET, BRIAN CONNOLLY, também apareceu para expressar sua admiração.

Bach tinha estudado bem para seu papel como frontman, aprendendo a arte na Escola Dee Snider. No Hammersmith, provavelmente inspirado em uma gravação pirata do Twisted Sister que eu tinha dado a ele, ele fez uso da técnica de Dee de ridicularizar astros do pop. Enquanto Snider sacaneava com Boy George, a ira de Bach tinha como o alvo os astros da época, como Jason Donovan, Milli Vanilli e Bros. Na festa do Odeon, Bach me deu uma gravata e admitiu, “Você deve me odiar, cara. Eu roubei cada palavra da sua fita. ” Claro, seu carisma por vezes o possibilitava arrebatar o público com uma mão nas costas, ainda que sua falação em cima do palco nem sempre fossem bem-recebidas.

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“Me incomodava pra caralho quando ele repetia coisas que Dee Snider, David Lee Roth e até mesmo Paul Stanley já haviam dito antes”, diz Bolan agora. “Era tão na cara. À medida que nossa carreira progrediu, quase todas as merdas que Sebastian dizia no palco eram irritantes. Ele dizia para a plateia sobre o que se tratava uma música, mas não tinha nada a ver com a letra que eu tinha escrito. A menos que eu ignorasse isso, eu teria saído andando do palco. ”

Contudo, a personalidade de Bach e músicas como Youth Gone Wild e 18 And Life estavam tendo um efeito quase de encantador de serpentes em fãs de ambos os lados do atlântico. Uma turnê pelo Reino Unido com o Mötley Crüe viu o Skid Row escalar mais degraus ainda. De acordo com Bolan, os problemas de ego de Bach só se tornaram um problema quando o ritmo de ascensão da banda começou a embalar. Até ali, Sabo insiste que todos os outros membros teriam ‘tomado um tiro’ uns pelos outros. ‘Isso era absolutamente verdade’, ele reconhece hoje. ‘Tudo era tão novo e a empolgação de alcançar nossos objetivos iniciais fora uma experiência que realmente nos uniu. Éramos como um punho cerrado. ”

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Com as vendas crescendo em ritmo de bola de neve, em 1989 o Skid Row estava almejando o mega-estrelato. “Ainda somos os mesmos molambos que éramos antes”, Bolan insistia na época. “Por vezes, nossas músicas tinham algo a mais do que isso, e isso ajudou a nos conectar com as pessoas. ”

Mas Bach parecia ser feito de autodestruição. Quando o Skid Row abriu para o AEROSMITH em Springfield, ele foi atingido por uma garrafa de vidro arremessada da plateia. Bem em frente às câmeras da MTV, ele a jogou de volta, resultando em Elizabeth Myers, de 14 anos, precisando de 125 pontos.

Nos anos seguintes, Bach disse à revista Classic Rock que ele tinha total arrependimento pelas consequências de sua reação automática, apesar de ele elaborar: “Meu lado sensato me diz que eu não faria a mesma coisa, mas quando você toma uma garrafa de vidro na cara e você está com sangue pingando…. eu não posso prometer que não arrebentaria com alguém. Eu sou um ser humano, não um alvo. ”

 

O próprio Bach pagou por metade dos danos na casa das centenas de milhares de dólares que o incidente causou, e o resto saiu do bolso de seus colegas de banda. O episódio foi um marco significativo na relação intrapessoal do Skid Row, que piorava.

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“Abrir a cabeça daquela garotinha no meio…” Bolan suspira, quase sem encontrar palavras. “Bem, foi péssimo, e meteu uma cunha bem no meio da banda. Aquilo e a camiseta ‘Aids Mata Viados’ que ele usou. Algum moleque tinha dado isso a ele em Winnipeg, e ele a vestiu quando estávamos em Los Angeles. Eu lembro claramente de ter dito a ele: ‘Eu não vestiria isso se fosse você’. Mas ele vestiu assim mesmo.

“Naquela altura, as merdas estúpidas que ele estava fazendo estavam beirando a sociopatia. Ele parecia sentir que estava acima de todas as leis e normas. ”

SEGUE…

 

 

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