Henry Rollins: O que leva um artista a não desistir?

Da coluna de  HENRY ROLLINS [Henry Rollins Band, Black Flag] para o jornal estadunidense L.A. WEEKLY nessa semana:

Ainda na Austrália, com muitos mais shows para fazer. No momento, estou em Brisbane. Chegamos algumas horas atrás de Cairns, no norte. Antes disso, estávamos em Darwin, que fica bem no topo do país. Noite passada estava uma sauna – eu saí do palco ensopado. Agora que estamos mais ao Sul, o clima é bem menos quente e úmido.

Eu já fiz uns 70 shows nessa turnê. É nessa altura que alguns artistas ou vão pra casa ou começar a cancelar shows de seus esconderijos a muitas milhas de distância. Pra mim, é aí que fica bom mesmo, como a segunda hora seguida na esteira. Precisa duns 50 shows para realmente saber que você está fazendo o lance direito; é a parte da turnê que te faz ver o quanto você quer fazer isso. Ou o show é algo pro qual você vive ou algo do qual você quer distância.

Alguns artistas e bandas simplesmente não foram feitos para ralar, e tudo bem com isso. Pra mim, sempre houve uma grande integridade para com os artistas que estão na luta todo ano, de um jeito ou de outro, fazendo o lance deles, noite após noite sob as luzes. Há, contudo, uma tênue linha entre cair no mundo porque é o que se faz, e fazê-lo porque não há mais nada que eles possam fazer.

À medida que performers envelhecem, eu reconheço que há dois caminhos que eles possam trilhar. Eles podem ficar ali, tocando mais profundamente de suas entranhas do que jamais o fizeram, ou eles podem ficar empurrando com a barriga tanto que terão um caroço na garganta quando saem da casa de shows no fim da noite. Anos atrás, eu estava em turnê, abrindo para uma banda que está no ramo há anos – grande música, muitos fãs. Durante o show, o guitarrista dava as costas pra plateia e conversava com seu roadie enquanto tocava perfeitamente. Ele não se importava de mostrar para uma casa lotada como o show não significava nada pra ele. Foi meio que devastador e eu não acho que jamais assistirei a essa banda novamente.

David Lee Roth, um homem que sempre tem frases memoráveis, me disse isso quando eu o entrevistei 22 anos atrás. Eu acho que diz tudo:

 ‘É um trabalho de amor. Se você está nisso por algo que não a música – e estamos todos nesse meio por coisas que não são música…o cara que disse que dinheiro não traz felicidade não sabia onde fazer compras. Eu não estou descartando ganância e avareza de modo algum. Mas se essas coisas estão acima da música na lista, o lance todo vai ficar sem graça pra você na centésima hora de aula de canto.

Minha parada inteira é baseada em – e isso é o que rola comigo, se você quer saber – você tem que ter disciplina, e através dessa disciplina, algum nível de recompensa virá, e dessa recompensa virá seu orgulho. Não há nada além de orgulho nisso tudo. O dinheiro vem e vai, as mulheres vem e vão – mas o seu orgulho pode permanecer. É orgulho que leva John Lee Hooker acima. Foi o orgulho que trouxe Muhammad Ali de volta.

Eu gosto muito disso. O orgulho é uma qualidade com a qual eu sempre estive meio às turras, já que por vezes leva uma pessoa até um ponto de vista não razoável – refiro-me à galera do ‘ame-o ou deixe-o’, mas acho que entendo que Diamond Dave esteja absolutamente certo. Pra mim, é uma questão de dever, serviço e dedicação. David Lee certa vez me disse que quando alguém compra um ingresso pro seu show, é um contrato que a pessoa tem com você. Você tem que amar aquilo, ou em algumas noites, vai doer.


A motivação sempre foi um fator fascinante quando você pensa em uma artista mambembe, especialmente à medida que os anos se passam. O que mantém alguém nessa estrada ano após ano? Talvez o Sr. Roth tenha dito tudo e não haja mais nada a ser dito. Eu acho que há, entretanto, e é ai que a coisa fica interessante.

Certa vez perguntei a Ozzy Osbourne, de verdade uma de minhas pessoas favoritas no mundo, se ele não tinha problema em cantar músicas do Black Sabbath ano após ano, estivesse ele tocando com o Black Sabbath ou em sua banda solo. Ele disse que era ótimo. Eu perguntei a ele como ele ia lá fora, sabendo que ele iria cantar ‘Paranoid’ toda noite. Ele me disse que é isso que as pessoas querem ouvir, e é isso que ele quer dar a elas de modo que elas se divirtam. Eu acredito nele, mas é um pensamento que eu jamais poderia passar pra frente. Pra mim, a coisa tem que evoluir. Com o risco de perder seu público, tem que evoluir.

Um homem que personificou isso? Miles Davis. Ele montava os grupos de músicos mais talentosos, reinventava o gênero, e daí dissolvia a formação e movia-se tão radicalmente para outro tipo de música que ele perdia fãs e deixava autores tarimbados em pânico. Cérebro, coragem, talento e estilo, Miles tinha tudo isso.

Quando eu acordo todo dia numa turnê, eu checo meu estado de espírito. Estou esperando ansiosamente pelo show? Eu fiz isso ao amanhecer em Cairns quando eu acordei menos de quatro horas de sono depois para vir de avião até aqui em Brisbane, onde eu entro no palco em menos de 45 minutos.

Estou curtindo? Com certeza. Motivação? Tá me zoando?! Tem uma galera entrando na casa nesse exato momento. Eles estão aqui! Tem como melhorar? Em menos de uma hora, começa o show. Eu me sinto como se tivesse ganhado a loteria.”

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